O avanço do projeto que proíbe delações premiadas de presos conta com o aval do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e de líderes de outros 13 partidos, o que torna bastante provável a aprovação de sua tramitação em caráter de urgência na próxima terça-feira (11).
Integrantes de partidos do centrão e da esquerda ouvidos pela Folha dão como certa a aprovação da proposta na Câmara e, depois, no Senado.
Especialistas divergem sobre a possibilidade de o projeto retroagir e anular situações em que já houve delações firmadas com pessoas detidas. Ainda assim, caso seja aprovado, o projeto terá impacto no modelo de investigações adotado pela Polícia Federal.
Além da Operação Lava Jato, que teve uma série de colaborações questionadas, as apurações mais recentes de maior repercussão se basearam em delações assinadas por investigados presos.
Caso retroaja, o projeto poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), citado na delação do seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
O deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), que teve sua prisão confirmada pela Câmara em abril por suspeita de ser o mandante da morte da vereadora Marielle Franco, poderia ser outro agraciado.
O parlamentar foi preso dias depois de o ministro Alexandre de Moraes homologar a delação premiada do ex-policial Ronnie Lessa, suspeito de ser o executor do crime e que também está preso.
Deputados que defenderam a soltura de Brazão argumentaram que seria um equívoco respaldar uma prisão que tinha sido decretada apenas com base em delação premiada.
O projeto que deve ser votado é de autoria de Luciano Amaral (PV-AL), aliado de Lira, responsável por pedir na semana passada a tramitação em regime de urgência. O parlamentar votou pela soltura de Brazão.
O texto, que pode ser alterado durante as votações, tem apenas dois parágrafos, sendo o principal o que estabelece que a voluntariedade para a delação está ausente caso o interessado em colaborar com as autoridades estiver preso. Leia aqui a íntegra.
Pelas regras da Câmara, projetos mais recentes acabam sendo apensados a mais antigos, se o assunto for similar. Por isso, o sistema da Câmara coloca na frente o projeto de autoria do então deputado Wadih Damous (PT-RJ).
Acataram o pedido de urgência os líderes de Podemos, União Brasil, Solidariedade, PL, MDB e de blocos que reúnem PSD, Republicanos, PP, PSDB, Cidadania, PDT, Avante e PRD.
A proposta de mudança da lei que regulamenta a colaboração premiada causa divergência entre advogados criminalistas, responsáveis por conduzir esses acordos como representantes dos delatores.
Dois pontos principais causam maior debate. O primeiro é se eventual nova lei teria poder de retroagir e anular acordos já fechados e homologados pela Justiça.
O segundo é se a proibição de acordos para presos não ataca um direito do cidadão de colaborar com a Justiça.
Um dos principais criminalistas do país, Alberto Toron é critico dos métodos de prisão da Lava Jato desde o início da operação, mas entende que o projeto de lei cuja urgência para votação foi incluída por Lira “falha sob todos os aspectos”.
Para ele, caso seja aprovado, a lei não vale retroativamente por se tratar de uma regra processual. “Aplica-se a conhecida parêmia romana, tempus regit actum. Vale dizer, a lei do tempo rege o ato. Portanto, a delação de investigado, ou réu preso, praticada antes da lei, é válida”, diz.
O advogado afirma que o projeto comete um grande equivoco ao proibir a delação para presos uma vez que o cidadão tem o direito, em qualquer situação, de se valer desse instrumento para sua defesa.
“É justamente o preso, por integrar organização criminosa, que tem interesse em fazer a delação e com muito proveito para a investigação”, diz Toron.
Segundo ele, a lógica do projeto é evitar que a prisão funcione como indutor da delação, modelo imputado à Lava Jato. “O ponto é que na Lava Jato as prisões, que efetivamente funcionaram como verdadeira coação, serviam para iniciar as tratativas da delação, mas a evolução e o acordo propriamente ditos eram finalizados com a pessoa solta”, afirma o advogado que atuou na defesa de alvos da investigação.
Vinicius Vasconcellos é advogado e autor do livro “Colaboração premiada no processo penal”. Para ele, a resposta “mais simples” seria que não retroage, mas há também outro entendimento de que “os acordos penais têm impactos no poder de punir do Estado” e, portanto, “devem retroagir para aplicar a casos passados, desde que em benefício do réu”.
André Perecmanis, professor de direito processual penal, afirma que não há possibilidade de a lei retroagir. “A delação é meio de se chegar a uma prova, toda questão relativa a prova é de natureza processual As alterações processuais pegam o processo no estado em que ele se encontra, todos atos anteriores que tiverem sido praticados com respeito à lei da época são validos”, diz.
Professor do IDP e doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo), o advogado Gustavo Mascarenhas tem entendimento no sentido de Vasconcellos, sobre a lei não retroagir, mas sendo possível se pensar nos casos em benefício do réu.
“Eventualmente, a nova norma pode ser utilizada por colaboradores que estejam questionando a validade de acordos anteriormente feitos quando estavam presos”, diz.
O advogado descarta, no entanto, o cabimento em vedar a possibilitar de presos fecharem acordos.
O movimento contra a lei das delações vem acompanhado de pressão de bolsonaristas para aprovar anistia aos condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, o que poderia abrir uma deixa para anistiar Jair Bolsonaro, que está inelegível.
O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Nesse caso, porém, a opinião dos congressistas ouvidos pela Folha de S.Paulo é a de que há uma resistência significativa.