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Bebês Reborn: Consolo Emocional, Risco Psicológico e a Exploração Midiática

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Nos últimos anos, os chamados bebês reborn — bonecos hiper-realistas confeccionados artesanalmente para se assemelhar a recém-nascidos reais — têm ganhado popularidade crescente, especialmente no Brasil. Embora inicialmente utilizados em contextos terapêuticos, para ajudar pessoas em luto ou que enfrentam dificuldades emocionais, o fenômeno tomou proporções mais amplas e, por vezes, preocupantes. A crescente adoção desses bonecos por adultos, especialmente mulheres, levanta questões importantes sobre saúde mental, vínculos afetivos simbólicos e o papel da mídia e do mercado no estímulo a esse comportamento.

Do ponto de vista psicológico, os bebês reborn podem representar um recurso simbólico importante para quem lida com perdas gestacionais, infertilidade, solidão ou até condições como demência, sendo utilizados inclusive em contextos clínicos e geriátricos. Eles possibilitam uma forma de compensação afetiva e uma maneira de reencenar laços maternos idealizados, funcionando como instrumentos para a elaboração do luto ou reconstrução da autoestima. No entanto, especialistas têm observado que, em muitos casos, o apego aos reborns ultrapassa os limites do saudável, podendo indicar a presença de transtornos emocionais mais profundos.

Psicólogos e psicanalistas alertam para a existência de um comportamento obsessivo em torno desses bonecos, que pode refletir não apenas carências afetivas, mas também a recusa simbólica da realidade. Tratar um boneco como se fosse um filho real, em todos os aspectos, pode sinalizar estados de depressão, transtornos ansiosos ou dificuldades de adaptação social. O psicanalista Eduardo Casarotto, por exemplo, define esse comportamento como uma “neurose social”, na qual o simbólico substitui o real de forma disfuncional, revelando uma idealização patológica da maternidade ou uma tentativa de controle absoluto sobre as emoções.

Paralelamente à dimensão emocional, a mídia e as redes sociais vêm explorando esse fenômeno de maneira cada vez mais intensa — e, em muitos casos, irresponsável. Influenciadores digitais criam perfis exclusivamente dedicados à rotina com bebês reborn, simulando cuidados maternos em vídeos e transmissões ao vivo que atraem milhões de visualizações. Essa exposição midiática frequentemente romantiza ou trivializa o fenômeno, tratando-o como uma “tendência curiosa” ou uma “fofura terapêutica”, sem considerar as implicações psicológicas e sociais mais profundas. A lógica do lucro e da viralização tem conduzido a cobertura midiática, obscurecendo debates sérios sobre saúde mental e relações humanas.

Além disso, esse movimento fomentou um mercado extremamente lucrativo. Os bonecos reborn podem custar entre R$ 1.200 e R$ 12 mil, dependendo do grau de realismo e personalização. Artesãos especializados, lojas virtuais, feiras temáticas e produtos derivados compõem uma cadeia econômica que lucra com a idealização do afeto, transformando a fragilidade emocional de muitos consumidores em oportunidade de negócio. Nesse contexto, a humanização do objeto e a mercantilização do vínculo tornam-se faces da mesma moeda.

Diante desse cenário, torna-se urgente refletir sobre as motivações que levam tantas pessoas a buscar consolo em representações artificiais da vida, e sobre como a sociedade — especialmente a mídia — tem contribuído para legitimar ou explorar tais comportamentos. Embora os bebês reborn possam ser um recurso terapêutico válido em determinados contextos, é fundamental que seu uso seja acompanhado de orientação profissional adequada e de um olhar crítico para os limites entre o simbólico e o patológico.

Por fim, o fenômeno dos bebês reborn é um espelho das angústias contemporâneas: revela o impacto do isolamento emocional, a idealização de vínculos perfeitos e o uso cada vez mais comum de simulacros para preencher vazios afetivos. A forma como a mídia e o mercado lidam com isso não pode ser ignorada — é preciso responsabilidade, ética e sensibilidade para compreender o que está por trás de cada “boneca” tratada como bebê. Afinal, por trás do silicone e da pintura realista, muitas vezes há uma dor silenciosa que precisa ser ouvida e acolhida, e não apenas explorada.

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