Dez meses após ser alvo de uma operação da Polícia Federal em sua casa, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado ontem sob acusação de fraudar comprovantes de vacinação contra Covid-19 em seu nome e de sua filha caçula. O inquérito é o mais avançado dos cinco aos quais ele responde no Supremo Tribunal Federal (STF) e o primeiro dado como concluído pela PF. A defesa do ex-presidente nega que ele tenha sido responsável pelos documentos falsos.
Além de Bolsonaro, seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outras 15 pessoas foram indiciados sob acusação de praticarem os crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação. O relatório final do inquérito foi encaminhado pela PF ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, e à Procuradoria-Geral da Repú- blica (PGR), que deverá decidir em até 15 dias se apresenta ou não uma denúncia.
PF apontava que Bolsonaro ordenou a falsificação
A conclusão dos investigadores foi que o ex-presidente não só tinha ciência, como ordenou a Cid que emitisse os certificados fraudulentos. Segundo a PF, o ex-ajudante de ordens, inicialmente, forjou comprovantes de vacinação para ele e seus familiares, para que pudessem viajar ao exterior sem que precisassem de fato se imunizar.
O militar disse em delação premiada que Bolsonaro, ao saber que ele “possuía cartões de vacinação contra a Covid-19 em seu nome”, ordenou que também forjasse comprovantes para ele e para sua filha.
A PF vê ligação do caso com outra investigação em curso, que trata sobre uma suposta trama golpista. Na avaliação dos investigadores, a fraude nos comprovantes de vacinação “pode ter sido utilizada pelo grupo para permitir que seus integrantes, após a tentativa inicial de golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para cumprir eventuais requisitos legais para a entrada e permanência no exterior (cartão de vacina)”.
Após indiciamento de Bolsonaro, os investigadores agora esperam apresentar as conclusões de outros dois dos inquéritos que miram o ex-presidente até julho: o que apura as suspeitas de trama para tentar dar um golpe de Estado no país e o caso relacionado à venda de joias recebidas de autoridades árabes.
Defesa nega participação do ex-presidente
No caso dos cartões de vacina, a defesa de Bolsonaro nega que ele tenha ordenado a emissão dos certificados. Em nota, seus advogados alegam que não havia razão para ele burlar o sistema de vacinação, uma vez que na época, em dezembro de 2022, possuía passaporte diplomático por ainda exercer o cargo de presidente, o que o dispensava de apresentar o comprovante em viagens ao exterior. “Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos”, dizem os advogados, em nota.
A investigação aponta que os dados falsos haviam sido inseridos no sistema do Ministério da Saúde em 21 de dezembro, com o login do então secretário de governo da prefeitura de Duque de Caxias (RJ), João Carlos Brecha. As informações falsas apontavam que Bolsonaro tomou a primeira dose da vacina em agosto e a segunda em outubro de 2022. Brecha, que também foi indiciado, nega ter incluído os dados e afirma que suas credenciais podem ter sido usadas por outra pessoa.
Para chegar a Bolsonaro, os investigadores juntaram mensagens de texto, dados do aplicativo ConecteSUS e registros de impressão do Palácio da Alvorada que confirmam o que Cid disse em depoimento. A PF aponta, por exemplo, que o acesso à conta de Bolsonaro no sistema do Ministério da Saúde para emitir os certificados falsos foi feito a partir da residência oficial.
Certificado falso foi emitido no Alvorada
As investigações apontaram também que os documentos de imunização no aplicativo ConecteSUS foram impressos no dia 22 de dezembro em um equipamento no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, onde Bolsonaro morava. “O colaborador (Cid) ainda afirmou que imprimiu os certificados e entregou em mãos ao então Presidente da República”, diz o relatório produzido pela PF.
O login do ConecteSus de Bolsonaro estava relacionado a um e-mail de Cid, que acessou o aplicativo de dentro do Alvorada, segundo registros de visitantes fornecidos pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O acesso foi transferido no mesmo dia 22 para um e-mail em nome do então assessor Marcelo Câmara, que acompanharia o ex-presidente na viagem aos Estados Unidos. Bolsonaro viajou no dia 30 de dezembro de 2022, na véspera de deixar o mandato.
Cid disse em depoimento, porém, que Câmara rasgou os certificados de vacinação falsificados e determinou a exclusão dos registros de que o ex-presidente e a filha teriam tomado o imunizante contra a Covid-19. Para a PF, o episódio faz parte de uma tentativa de “apagar os rastros das condutas criminosas”.
Salário de Cid
Ontem, o comandante do Exército, Tomás Paiva, decidiu vetar promoção de Cid, que seguirá recebendo remuneração bruta de R$ 27 mil.
Em outra frente, também relacionada à pandemia, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se reuniu na noite de ontem com parlamentares que atuaram na CPI da Covid, do Senado.
Gonet tem dito a interlocutores que um dos inquéritos decorrentes dos trabalhos da CPI — arquivados por Augusto Aras — pode ser reaberto. O caso tinha como objetivo investigar “ações e omissões” no âmbito do Ministério da Saúde, especialmente após o colapso que houve no sistema de saúde do Amazonas, no início de 2021, quando pessoas morreram por falta de oxigênio.
Fonte: Globo