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A potência integradora e curativa do amor: Gotas de Amorosidade

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Por Pe. Ricardo Geraldo de Carvalho
Missionário Redentorista

Neste tempo pascal, continuam os relatos das aparições do Ressuscitado. Seu valor transcende o histórico – nunca verificável – e nos abre para o simbólico e o místico. Essas narrações não querem ser uma exposição do que aconteceu, mas transmitir a experiência fundamental: Jesus vive! Por outro lado, as histórias das aparições buscam oferecer pistas catequéticas, simbólicas e espirituais. O texto do evangelista João, no que tange a perícope 21, 1-19, segue essa direção e tem uma profundidade imensurável.

O Ressuscitado aparece à margem do lago de Tiberíades. Os pescadores, que não o reconhecem, voltam com as redes vazias. E Jesus lhes diz: “Lancem a rede do lado direito do barco e encontrarão” (Jo 21,6).

Por que o lado direito? No Evangelho, nada é por acaso; na verdade, nada na vida é casual: sempre e em qualquer lugar ou situação, o Espírito está agindo. Por que o direito? O Espírito – através do evangelista – quer sugerir algo importante.

O hemisfério direito do cérebro cuida da dimensão intuitiva e criativa: dele surge nossa inspiração e tudo que se relaciona com a criatividade. Em contra partida, o hemisfério esquerdo do cérebro é predominantemente responsável por funções como linguagem, lógica, matemática, raciocínio analítico e tomada de decisões. Na árvore da vida da cabala hebraica, reflete-se, de modo extraordinário e surpreendente, a mesma realidade: a coluna direita da árvore, especialmente a dimensão da sabedoria (a Jojmá), revela a parte intuitiva e criativa da alma humana.

Se lermos o texto evangélico sob essa luz, descobriremos algo maravilhoso. Jesus convida Pedro e seus companheiros a lançar a rede do lado direito, como se dissesse: “Confiem na intuição, abram-se à novidade, ao Espírito criador. Saiam da lógica puramente racional”.

Quando nossa vida seca, torna-se árida, é hora de lançar a rede à direita. É o momento da confiança, de sair dos caminhos estreitos da racionalidade. É hora de ousar, criar, confiar. “Eles lançaram e não conseguiam puxá-la, tal a quantidade de peixes” (Jo 21,6): surge a abundância.

A abundância sempre está lá: Deus não é esse Mistério Infinito de Amor e Beleza? Quando saímos da lógica pura, da necessidade de controle e da cegueira egóica, abre-se a visão e recebemos Vida plena: “Colocarão em vosso colo uma medida boa, calcada, sacudida e transbordante” (Lc 6,38).

Ao nos abrirmos ao Espírito e confiarmos, a vida nos recompensa com uma abundância que nos supera. É a “graça superabundante de Deus”, presente em São Paulo (Rom 5,20; 2Cor 9,14). Sou testemunha integral disso e só posso agradecer, com suspiros e lágrimas. Ousemos lançar as redes à direita! É o caminho para a plenitude do amor, o qual se funda no processo – individual e comunitário –, como vemos no diálogo entre Jesus e Pedro.

João constrói esse diálogo belíssimo para mostrar o crescimento na confiança e no amor. Jesus quer levar Pedro ao amor mais elevado. O Espírito quer nos conduzir pelo mesmo caminho. Mas precisa vencer nossas resistências! No fundo, temos medo do amor e da plenitude. O amor é despojamento e entrega, confiança e liberdade. As alturas – inclusive a do amor – nos dão vertigem, amedronta e ficamos temerosos.

O primeiro passo é escutar: “Simão, filho de João, você me ama?” Como afirma o teólogo Paul Tillich (1886-1965): “O primeiro dever do amor é escutar”. Escutar é abrir-se, estar disponível. A verdadeira escuta nos revela quanto somos amados e nosso potencial de resposta. Ela nos faz conscientes de que “nós amamos porque Deus nos amou primeiro” (1Jo 4,19).

Reconhecer o amor de Jesus

Às vezes, temos dificuldade em reconhecer que Jesus está verdadeiramente presente nas perguntas de um desconhecido simples, que nos acena ou fala em meio ao nosso desânimo. Foi João, o discípulo que Jesus amava e que O amava profundamente, quem O reconheceu primeiro. Quem ama, vê mais! Nem todos enxergam que, em nosso mundo atual, Jesus está vivo, presente e atuante. Nem todos veem que é Jesus quem traz salvação quando médicos sem fronteiras, em meio ao desespero de Ruanda, continuam vacinando crianças. Nem todos veem que é Jesus quem perdoa quando alguém em uma família ousa dar o primeiro passo para promover a reconciliação.

A presença viva de Jesus só é reconhecida por aqueles que olham com os olhos do coração e conseguem ver com os olhos do amor. Quando o reconhecemos, somos convidados a uma refeição maravilhosa, que nos une ainda mais à sua Comunidade. Uma refeição com símbolos profundos: uma grande rede de peixes, um peixe assado e um pouco de pão.

É Pedro quem puxa a rede para a margem, uma rede que não se rompe, apesar dos muitos peixes diversos. É o símbolo da grande variedade de povos e nações chamados a formar uma comunidade de fé sob a liderança de Pedro e seus sucessores. A principal tarefa do papa é preservar e promover a unidade. Mas vemos que essa rede de nossa Igreja, por tudo o que aconteceu no passado e no presente, está cheia de rasgos. O ideal do Senhor, que deseja que a unidade seja mantida tanto na grande Comunidade da Igreja quanto em nossa vida pessoal, ainda não se realizou.

Depois, nos sentamos ao redor de um peixe assado, símbolo de Jesus sofredor, estigmatizado e crucificado. O sofrimento permanece muito real em nós e no mundo. Mas é justo o Crucificado sofredor que, ressuscitado, vem ao nosso encontro. “Seus discípulos sabiam que era realmente o Senhor”. Nós também ousamos crer que, mesmo no meio da dor, só um amor ainda maior nos inspira a transcender e vencer a morte.

Por fim, há o pão partido e repartido durante a refeição. Jesus nos dá principalmente seu pão, sinal de absoluta amorosidade. Aqui, na Eucaristia, aprendemos sempre o que significa nos deixar partir, dividir e doar, apesar de nosso egoísmo, como Ele fez, para que outros possam viver.

Esta é nossa experiência de ressurreição. Olhamos para a rede rasgada da Igreja hodierna e, ainda assim, ousamos dizer que a unidade de Jesus é mais forte que nossa divisão. Olhamos para o peixe assado e o sofrimento em nosso mundo, e ousamos dizer que a vitória pascal de Jesus é mais forte que nossa dor. Olhamos para o humilde pedaço de pão na Eucaristia e ousamos dizer que a força vital de Jesus é mais forte que nosso egoísmo.

O Senhor vive quando aprendemos a ver o que acontece em nossa realidade não apenas com os olhos da razão, mas com o ardor do nosso coração pleno de esperança. Portanto, podemos reconhecer a sua força de amor viva: em um desconhecido em nosso caminho, na rede rasgada de nossa Igreja ferida e dividida, no peixe assado de nosso mundo sofrido, em seu Pão partido aqui em meio à nossa Comunidade de fé hesitante, não obstante buscadora em testemunhar integralmente o Redentor, que se faz Vida conosco.

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