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Passado o segundo turno das eleições, os ânimos entre bolsonaristas e petistas não dão sinais de arrefecimento. Ao mesmo tempo que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) ocupam rodovias e fazem manifestações golpistas em frente a quartéis, eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relatam situações de assédio e até a inclusão em listas de profissionais e empresas que devem ser boicotados.
Nos cálculos da empresária Laís Savassa, 32, de Boituva (SP), os ataques iniciados na segunda-feira (31) já deixaram um prejuízo de cerca de R$ 10 mil nas duas papelarias em que é sócia. Na véspera, dia de votação, ela se reuniu com amigas para acompanhar a apuração.
“No dia, nós comemoramos, fizemos posts em redes sociais. No dia seguinte, estávamos nessa lista”, diz. “Meu perfil era fechado e eu nunca vinculei a papelaria a nada. Foi uma manifestação de pessoa física.”
A “lista de comércio petista” de Boituva não é a única. Há relatos de relações semelhantes em diversos estados. No Twitter, um perfil de paródia do Sleeping Giants (que pressiona empresas a retirarem anúncios de sites que publicam notícias falsas ou com incitação ao ódio), chamado “Sleeping Zap Brasil”, está publicando perfis de empresas e de seus donos. São pessoas que, segundo eles, merecem ser “desmonetizadas”.
Em Dourados, segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul, uma consultora de 47 anos conta ter parado na lista de profissionais e empresas a serem boicotados depois que criticou a existência desses levantamentos.
A empresa para a qual o marido dela trabalha também foi parar na relação do boicote, diz, depois que ele reagiu a um comentário xenofóbico no grupo de WhatsApp do bairro. A consultora pede para não ser identificada por ter medo de novas retaliações ao casal e aos filhos.
A professora Anna Clara Brito, 25, também de Dourados, recebeu, ainda no domingo, a notícia de que talvez precisasse mudar de apartamento. “Assim que saiu o resultado, o dono do imóvel mandou uma mensagem dizendo que ia aumentar o aluguel e que, se a gente quisesse sair, tudo bem também”, diz.
Ela e o marido não têm dúvida de que o pedido tem relação com a posição política do casal. Na mensagem que comunicou o reajuste, o dono do imóvel cita o atual presidente, derrotado nas urnas. “Como o Bolsonaro perdeu, quero juntar dinheiro”, escreveu.
Além dos boicotes, os bolsonaristas também incentivam demissões de funcionários. Na segunda-feira, a tag #DemitaUmPetista chegou a ficar entre os termos mais citados por usuários.
Uma vendedora de 21 anos disse à Folha de S.Paulo ter sido demitida na segunda-feira sob o argumento de que ela não se encaixa nos padrões da empresa. Para a jovem, não há dúvidas de que a dispensa teve motivação política. Minutos antes de ser comunicada da dispensa, escutou a chefe perguntar a uma gerente “se ela tinha visto o Instagram” da vendedora.
As publicações, segundo ela, eram de uma festa em que comemorou, com amigos, a vitória de Lula. A jovem pediu para não ser identificada, pois teme não conseguir nova posição.
Tiago Botelho, professor de direito da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), e que foi candidato ao Senado nas eleições deste ano, diz que tem recebido mensagens de moradores de várias regiões relatando demissões e mesmo pressão de empregadores para que seus funcionários participem das manifestações antidemocráticas iniciadas no domingo à noite.
“Percebo que as pessoas ficam muito receosas em aparecer. Elas já estão lidando com o estrago de estar nessas listas, muitas perderam emprego e não querem correr o risco de não conseguir outro”, diz. “Isso ganha uma proporção muito maior em estados conservadores.”
O MPT (Ministério Público do Trabalho) em Mato Grosso do Sul diz que está monitorando casos suspeitos de assédio eleitoral, mas que, até o momento, não recebeu relatos de demissões motivadas pelo voto ou por participação em comemorações pela vitória de algum candidato.
Em todo o Brasil, procuradores do Trabalho registraram neste ano uma explosão de denúncias de assédio cometido por empregadores ou superiores hierárquicos contra funcionários para influenciar o voto. Até sexta (4), 2.749 denúncias tinham sido feitas contra 2.093 empresas em todo o país.
Para a procuradora regional do trabalho Adriane Reis de Araújo, da Coordigualdade (coordenadoria de promoção da igualdade no trabalho), as demissões ou ameaças de demissões a trabalhadores por suas escolhas eleitorais são um desdobramento dos casos de assédio e configuram dispensa discriminatória.
O trabalhador que se sentir vítima desse tipo de discriminação pode processar a empresa, cobrar indenização e até reintegração ao cargo.
Fonte: Folha de São Paulo