A guerra na Ucrânia, que completa três anos nesta segunda-feira (24), teve sua trajetória alterada pelo “fator Trump”, que se tornou uma “arma” poderosa a favor da Rússia, segundo especialistas consultados pelo g1.
A interferência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que travou uma negociação direta com os russos sobre o fim da guerra, excluindo Ucrânia e europeus, abalou as estruturas da ordem mundial e aumentou temores da Europa sobre o futuro da geopolítica, disseram ainda os especialistas.
Trump quer rapidez nas negociações por um acordo de paz, mesmo que isso signifique atender às demandas de Moscou — a anexação de 20% do território ucraniano atualmente controlado por tropas russas, e a proibição de que a Ucrânia de entre para a Aliança Militar do Atlântico Norte (Otan)
No entanto, a pressa dos EUA também pode atrapalhar a resolução final do conflito, ainda de acordo com os espcialistas, já que:
- Um acordo de paz apressado e malfeito pode levar a guerras maiores no futuro;
- A anexação de territórios pela Rússia com o aval dos EUA viola da Carta da ONU e coloca em xeque outras tensões ao redor do mundo;
- Putin tem interesse em não parar na Ucrânia caso obtenha alguma vantagem com o atual conflito.
“A paz é desejada, mas ela não pode ser a qualquer preço, porque acordos de paz malfeitos levam a guerras maiores depois”, afirmou ao g1 o professor de Relações Internacionais da UFF e pesquisador de Harvard Vitelio Brustolin.
Ele citou outros acordos malfeitos de Trump. como o da retirada das tropas americanas do Afeganistão, implementado por Biden em 2021 e criticado pela comunidade internacional.
Voltando mais na História, a 2ª Guerra Mundial começou após um acordo de paz malfeitos, segundo Vitelio: o Pacto de Munique, que autorizou anexação dos Sudetos da Tchecoslováquia pela Alemanha de Hitler em 1938 deu o precedente para o ditador nazista fazer novas invasões e dar início ao conflito global meses depois.
Vitória na guerra?
Trump diz que é necessário cessar imediatamente o derramamento de sangue no conflito, que já causou centenas de milhares de baixas de ambos os lados. Para a Rússia, também seria benéfico finalizar o conflito agora.
Segundo especialistas, a Rússia está ganhando a guerra, mas ao mesmo tempo está longe de seus objetivos iniciais e enfrenta dificuldades para manter o conflito, segundo um estudo do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), instituição especializada em guerras.
O IISS afirma que o Exército russo enfrentará “diversas restrições de equipamentos, material humano e econômicas” em 2025, e estima que tenha fôlego para aguentar sustentar a guerra no ritmo atual até 2026.
“A Rússia poderia sair vitoriosa da guerra na Ucrânia se os EUA entregarem a ela uma vitória”, disse Brustolin.
O pesquisador de Harvard acha que só o fato de a Ucrânia seguir existindo como país já poderia ser considerado uma vitória de Kiev, que dependeu de ajuda militar e econômica de seus aliados, EUA e UE.
Negociações por terras ocupadas e sobrevivência da Ucrânia
Trump está interessado nas terras raras ucranianas, que podem ser uma forma de tirar vantagem econômica do envolvimento indireto dos EUA no conflito. Os EUA tentam impor à Ucrânia um acordo de direitos de exploração, e podem estar negociando as terras com os russos, que ocupam territórios ricos em minérios.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, luta pela sobrevivência da Ucrânia e já admitiu a possibilidade de territórios e até de deixar o cargo em prol de um melhor destino para o país. Zelensky busca garantias de segurança do território ucraniano, que ainda não apareceram nas negociações de terras raras com os EUA.
No entanto, o reconhecimento dos EUA de territórios invadidos pela Rússia seria uma violação flagrante da Carta da ONU, que proíbe guerras de anexação, pontua Brustolin.
“Se os EUA reconhecerem territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia é uma subversão da ordem mundial, porque viola o direito internacional, a Carta da ONU, viola todo o sistema pós-2º Guerra Mundial”, afirmou Brustolin, citando como indício uma fala do secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, na Conferência de Segurança em Munique neste mês.
Segundo o analista de segurança internacional e pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) Felipe Dalcin, o presidente dos EUA também busca deslegitimar Zelensky por meio de falas públicas para pressionar o ucraniano a aceitar seus termos.